Principais elementos para a leitura cartográfica

Saudações a todos os colegas! 

Para prosseguirmos nosso dialogo sobre a importância da cartografia em nossas atividades, é necessário conhecermos os principais elementos para a leitura cartográfica, pois, apesar de os mapas serem amplamente utilizados nos dias de hoje, os principais elementos que compõem um mapa, muitas vezes, ficam em segundo plano.

Desse modo, é evidente que, na atualidade, não apenas o geógrafo utiliza e elabora mapas para o uso em suas atividades, mas também diversos outros profissionais vêm se capacitando nas ferramentas “geotecnológicas”, e, para viabilizar o manuseio dessas ferramentas (softwares de geoprocessamento, processamento e manuseio de imagens de sensores remotos etc.), esses profissionais optaram pela democratização da informação, disponibilizando-a com alta qualidade, em variados idiomas em blog’s, sites, livros e revistas. Assim, surgiu uma gama de materiais em formato digital e analógico que vêm subsidiando a aprendizagem de cada vez mais usuários da cartografia.

Contudo, é importante que o usuário entenda que o entendimento da cartografia e o manuseio dessas geotecnologias é fruto direto de trabalhos de campo e de reflexões teóricas/conceituais, que transitam pela produção acadêmica sobre os mais diversos assuntos trabalhados na concepção do espaço geográfico, realizada desde há muitos anos atrás, e que culminou no que se tem hoje em meio digital, sendo a principal representação expressa por meio de mapas.

Assim, devemos considerar o mapa como um meio de comunicação, contendo objetos definidos por pontos, linhas e polígonos, permeados por uma linguagem composta de sinais, símbolos e significados. Sendo a sua estrutura formada por uma base cartográfica, relacionada diretamente a objetos e fenômenos observados ou percebidos no espaço geográfico.

Essa base cartográfica é composta pelos chamados elementos gerais do mapa, que são pelo menos cinco componentes que contribuem para a leitura e interpretação do produto cartográfico. São eles: o título, a orientação, a projeção, a escala e a legenda, sendo que a ausência e erros em mapas, na maioria das vezes, ocorre quando um desses elementos é apresentado de forma incompleta ou distorcida, não seguindo as normas da ciência cartográfica, o que pode contribuir para a apreensão incorreta das representações do espaço geográfico pelos leitores. Então, vamos aqui procurar entender cada um deles de forma resumida:

1. O Título

O título no mapa deve ser visto como ocorre em uma apresentação de um texto escrito, ou seja, é a primeira apresentação do conteúdo do que se quer mostrar; é o menor resumo do que trata um documento, neste caso, a representação cartográfica. Quando se está diante de um “mapa temático”, por exemplo, o título deve identificar o fenômeno ou fenômenos representados por ele (Figura 1). Nesse sentido, o título deve conter as informações mínimas que respondam as seguintes perguntas a respeito da produção: “o quê?”, “onde?” e “quando?”.

Um título deve responder a pergunta “o quê?” E ser fiel ao que se desenvolve no produto cartográfico. Pode ser escrito na parte superior da carta, do mapa ou de outro produto da cartografia, isto é, deve ter um destaque para que o leitor identifique automaticamente do que se trata esse produto cartográfico.

2. A Orientação

A orientação é sem dúvida um elemento fundamental, pois sem ela fica muito difícil de responder a pergunta “onde?”, considerando que a carta, o mapa, a “planta” ou outro tipo de representação espacial, sob os preceitos da Cartografia, é uma parcela de um sistema maior, o planeta Terra (se for esse o planeta trabalhado). E, em sendo assim, é preciso estabelecer alguma referência para se saber onde se está localizado, na imensidão da superfície deste planeta.

A orientação deve ser utilizada, de preferencia, de forma simultânea à apresentação das às coordenadas geográficas (meridianos e paralelos cruzados na forma de um sistema chamado de rede geográfica), no mapa, as quais também servem para se marcar a posição de um determinado objeto ou fenômeno na superfície da Terra, de modo que a direção norte aponte sempre para a parte de cima da representação (seguindo o sentido dos meridianos). E caso a representação não contenha coordenadas geográficas é importante dotá-la de um norte, ou de uma convenção que dê a direção norte da representação, geralmente na forma de seta ou da conhecida “rosa dos ventos” (presente na figura 1).

Figura 1. Exemplo de carta contendo os elementos gerais da representação. Fonte: Elaborado pelo autor.


3. A Projeção

A ideia de projetar algo em outro meio, no caso, a forma da Terra, deu origem a técnica que definiu os tipos de projeções cartográficas. Para isto foi preciso conhecer as dimensões do planeta, pois os modelos propostos para representar a Terra precisaram ajustar as suas próprias dimensões a superfície deste planeta. Inicialmente os gregos, por intuição ou por desejo entenderam que a Terra era redonda. Embora outras ideias tenham surgido e medidas demonstrem que este planeta não é tão bem acabado, como consideravam os gregos da antiguidade, a esfera ou globo ainda é o seu modelo mais conhecido.

Entendido como a Terra pode ser vista, é importante lembrar que para representá-la ou para escolher o seu modelo de representação é necessário conhecer os atributos de uma projeção, tendo em vista que esses atributos são em função do uso que se quer do mapa: dimensão, forma e posição geográfica da área ou do objeto a ser mapeado. Principalmente porque as projeções são a maneira pela qual a superfície da Terra é representada em superfícies bidimensionais, como em uma folha de papel ou na tela de um monitor de computador.

Como na hora de representar o planeta Terra (como uma esfera, tridimensional – com um volume) se utiliza quase sempre um meio bidimensional (um plano – com largura e altura), deve-se minimizar as distorções em área, distância e direção dos traços que irão compor o modelo terrestre ou parte dele (carta, mapa, planta e outras). Ou seja, se faz necessário compreender como a superfície esférica do planeta Terra – o globo, pode se tornar uma superfície plana – o mapa.

Os modos de conversão do modelo esférico para a forma plana são os mais diversos, cada qual gerando certas distorções e evitando outras. O que significa que precisamos colocar a esfera terrestre numa folha de papel, portanto, adaptá-la à forma plana, mas para que isso ocorra é preciso pressionar o globo terrestre para que ele se torne plano, porém, tal pressão faz com que o globo se “parta” em vários lugares. gerando uma série de deformações que precisaram ser compensadas com cálculos matemáticos que procuram resolver os “vazios” criados com a abertura do globo (Figura 2).
Figura 2. A Terra é dividida em segmentos ou "gomos" ao longo das linhas de longitude. Fonte: Phillipson (2010, p. 07)

A Cartografia buscou solucionar este problema com base no estudo das projeções cartográficas, e nessa busca concluiu que nenhum tipo de projeção pode evitar as deformações em parte ou na totalidade da representação, por isso mesmo, um mapa nunca será perfeito. Assim, a Cartografia se propôs a considerar três tipos de projeção: a azimutal ou plana, a cilíndrica e a cônica (figura 3). E para isto teve que desenvolver processos geométricos ou analíticos para representar a superfície do planeta Terra em um plano horizontal.

Figura 3. Projeções cartográficas. Fonte: http://migre.me/aij9b

A definição dessas projeções solicitou ajustes quanto ao modelo da projeção a ser adotada: no Modelo Cilíndrico, as projeções são do tipo: a) normais, b) transversas e c) oblíquas; no Modelo Cônico ou Policônico, as projeções são do tipo: a) normais e b) transversas; e, no Modelo Plano, as projeções são do tipo: a) polares, b) equatoriais e c) oblíquas.

Quanto aos atributos as projeções conservam três propriedades importantes: a equidistância, quando a distância sobre um meridiano (ou paralelo) medido no mapa é igual à distância medida no terreno; a equivalência, quando a área representada no mapa é igual à área correspondente no terreno; a conformidade, quando a forma de uma representação do mapa é igual à forma existente. As projeções azimutais permitem a direção azimutal no mapa igual à direção azimutal no terreno.

Essas características das projeções cartográficas garantem a elaboração de mapas para todos os tipos de uso e aplicação, porém, nenhum mapa pode conter todas as propriedades: a equidistância, a equivalência e a conformidade ao mesmo tempo. Caso a representação cartográfica não estiver submetida a nenhuma dessas propriedades, é chamada de projeção afilática.

4. A Escala

Na elaboração de um produto cartográfico observamos dois problemas importantes: 1º) a necessidade de reduzir as proporções dos acidentes existentes, a fim de tornar possível a sua representação num espaço limitado - esta ideia é a escala, concebida a partir da proporção requisitada pela representação dos fenômenos e; 2º) determinados acidentes, dependendo da escala, não permitem uma redução acentuada, pois se tornariam imperceptíveis, mas como são importantes devem ser representados nos documentos cartográficos. Por isto, no caso de mudança de escala de trabalho, poderá acontecer uma modificação na forma de representar o objeto, ou seja, a cada momento em que a escala for aumentando, acontecerá a aproximação do objeto, aumentando o seu tamanho, acontecendo ao contrário, na diminuição da escala, o distanciamento do objeto, o que, consequentemente, modificará sua representação (Figura 4).

Figura 4. Relação entre a mudança de escala e representação espacial dos objetos. Fonte: o autor com base em Silva (2001) e Cruz e Menezes (2009)

Como já visto em um post anterior (A escolha da escala nos estudos geográficos), a figura 4 (A) mostra a representação de um objeto em uma grande escala – destacando o bairro de Nazaré, em Belém do Pará, na qual se pode perceber as quadras do bairro (polígonos) e seus confinantes. Numa escala menor vê-se o município (4 B), depois o estado no território nacional (4 C) e a localização global (4 D), na qual as quadras e os limites políticos administrativos dos municípios desaparecem, e os estados são imperceptíveis. Nessa redução drástica da escala, as quadras, os municípios brasileiros e até certos estados são representados por pontos, uma vez que não se pode perceber a área desses objetos.

E para identificar essa relação a escala pode ser definida como escala numérica, na forma de fração, cujo denominador lhe determina, ou como escala gráfica, definida por um seguimento de reta fracionado e usado de acordo com a unidade de medida admitida para a representação (metro, quilômetro ou outras).

Figura 5. Escala numérica e gráfica. 
 
Com isto se pode entender a escala como uma relação entre grandezas e é neste caso que a relação entre as medidas dos objetos ou áreas da região representada no espaço cartografado (numa folha de papel ou na tela de um monitor, por exemplo) e suas medidas reais define a maior ou menor resolução espacial do objeto (visibilidade).

5. A Legenda e as Convenções

As representações espaciais sempre estiveram presentes, pois antes mesmo da escrita e da fala os símbolos e desenhos representavam o meio vivido. Com eles o homem delimitava e ocupava os territórios. Mas foi somente a partir do século passado que os mapas passaram a ter o padrão normativo atual, estabelecido por leis e convenções transformadas em normas aceitas pelos estudiosos e por todos os que usam produtos da Cartografia.

Assim, estabeleceu-se uma linguagem artificial, padronizada, associativa e universal com o objetivo de promover uma melhor compreensão para quem produz e para quem lê os mapas, alcançando leitores com menor e maior nível de conhecimento. Os mapas passaram então a fazer parte do dia-a-dia do homem em sociedade, figurando em livros, revistas, jornais, televisão, internet, e muitos outros meios de comunicação humana. De modo que, as técnicas cartográficas modernas permitiram que as representações ganhassem mais e melhor sentido.

Assim, para a melhor simbolização dos objetos e fenômenos que são transportados e contidos em um mapa, e demais representações cartográficas, foi necessário se aprimorar as chamadas legendas, ou seja, a parte de uma carta ou mapa que contém o significado dos fenômenos representados nela, geralmente traduzidos por símbolos, cores e traços desenhados cuidadosamente para que o leitor de mapas entenda do que trata a representação cartográfica.

A legenda de um mapa está situada, geralmente, dentro da moldura do mesmo, com todos os símbolos, cores e outros artifícios capazes de explicar de modo resumido a ocorrência de um determinado objeto ou fenômeno, de acordo com sua distribuição no espaço geográfico. A figura 6 destaca um exemplo de legenda em um mapa.
Figura 6. Exemplo de convenções e legenda de uma carta topográfica. Fonte: http://migre.me/aikjs

Faz-se necessário atentar para uma componente muito confundida com legenda, embora faça parte de outra categoria de informação – as convenções, que não possuem a função de explicar o fenômeno temático, mas a de definir o significado de linhas, símbolos e outras representações, geralmente, referentes aos componentes gerais do mapa.

Assim podemos ter mapas que mostram fenômenos qualitativos e quantitativos (figura 7) e/ou quantitativos (Figura 8), dispostos sobre uma base de referência, geralmente extraída dos mapas e cartas topográficas. Desse modo, os mapas e cartas geológicas, geomorfológicas, de uso da terra e outras, constituem exemplos de representação temática em que a linguagem cartográfica privilegia a forma e a cor dos símbolos como expressão qualitativa que surge na forma de legendas.

Figura 7. Mapa contendo temática qualitativa: motores do desenvolvimento. Fonte: Política Nacional de Ordenamento Territorial (BRASIL, 2006)

Desse modo, podemos entender que a descrição qualitativa é aquela que mostra os atributos (qualidades), a cada uma das circunstâncias ou características dos fenômenos (como os aspectos nominais do fenômeno), as quais podem ser classificadas segundo um determinado padrão.

Os mapas de densidade de população, de precipitação pluviométrica, de produção agrícola, de fluxos de mercadorias, constituem exemplos de que pontos, dimensões dos símbolos, linhas iguais (isarítmicas), áreas iguais (corópletas), figuras (diagramas) e outros recursos gráficos podem ser utilizados para representar as formas de expressão qualitativa, assim como a descrição quantitativa (Figura 8), que pode mensurar o fenômeno através de uma unidade de medida ou através de um percentual (aspecto ordinal do fenômeno) quantitativo.

Figura 8. Mapa contendo temática quantitativa: a concentração do PIB do Brasil. Fonte: Fonte: Brasil (2006)

Assim, para finalizar essa contribuição, devemos reconhecer que os conceitos e categorias da Cartografia não podem ser desprezados durante o uso ou a elaboração de um produto cartográfico. O uso das ferramentas mais atuais, pelos profissionais que utilizam a Cartografia, deve se dar sob o entendimento do meio que os circunda e dos elementos que compõem a ciência cartográfica.

A interpretação do espaço geográfico e dos fenômenos e objetos inerentes a ele depende sobretudo dessa linguagem empregada pela Cartografia, básica para a leitura dos seus produtos (mapas, plantas, croquis e outros), tendo em vista que eles são usados por um número cada vez maior de pessoas de todas as profissões e interesses, principalmente estudantes de todas partes do mundo e áreas do conhecimento.

Desse modo, um plano de representação do espaço só se consolida se apoiado na linguagem cartográfica. As ações mecânicas que se estabelecem com o “apertar botão”, seleção de cores e possibilidade de zoom automático, colocam uma cortina sobre os fatos importantes, e encobrem a capacidade crítica do profissional sobre o objeto de estudo. A discussão não deve ser apenas sobre o ferramental, mas também sobre conceitos, categorias e elementos da Cartografia para compreender o espaço geográfico.

Então é isso pessoal, espero ter contribuindo novamente com a conversar que estamos tendo sobre a cartografia e suas novidades... O próximo post buscará discutir sobre as novas geotecnologias no ensino,  até lá...

REFERÊNCIAS

BRASIL. Ministério da Integração. Política Nacional de Ordenamento Territorial. (PNOT). Brasília, 2006.

CRUZ, C. B. M.; MENEZES, P. M. L. A cartografia no ordenamento territorial do espaço geográfico brasileiro. In: ALMEIDA, F. J.; SOARES, L. D. A. Ordenamento Territorial. Coletânea de textos com diferentes abordagens no contexto brasileiro. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2009. p. 195-225.

PHILLIPSON, O. Atlas geográfico mundial. São Paulo: Editora Fundamento Educacional, 2010.

SILVA, J. X. Geoprocessamento: para a análise ambiental. Rio de Janeiro: Edição do Autor, 2001.
 


Para a elaboração desse texto tivemos a contribuição do Prof. Dr. João dos Santos Carvalho (FGC/UFPA).